Binti — Cultura, pertencimento, mudança, a complexidade da humanidade

Jey Canavezes
4 min readMar 28, 2023

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Eu terminei Binti completamente impactada com a complexidade da história, havia momentos eu que eu estava obcecada pela história e momentos que eu só queria tacar o livro longe. Binti mexe em muitos lugares ao mesmo tempo, temos uma menina que quer conhecer mais do mundo, que sente que merece mais do que a vida em sua vila, mas também é alguém que não quer deixar de pertencer aquilo que ela conhece como certo e feito para ela.

Binti é uma trilogia pequena, compilada em apenas um livro de 300 paginas, porém passa muito longe de ser um livro fácil de ler. A complexidade de tudo que acontece com Binti ao longo de sua história faz com que cada uma dessas páginas renda pelo menos mais 2. Conhecer sua cultura, observar sua evolução, sua transformação, suas perdas e suas vitórias é enriquecedor

Binti tem um começo brutal, a chacina de todos os alunos e professores que estavam a caminha da UniOomza, uma universidade intergaláctica que aceita alunos de todos os cantos da galáxia. Todos os alunos menos Binti, é claro. Ela se torna porta-voz do desejo dos assassinos, as Medusas, que desejam de volta o ferrão da rainha delas. Binti é apresentada como uma mestra harmonizadora e seu objetivo é exatamente esse… harmonizar.

Mas o que é harmonizar? É nunca elevar a voz? Porque Binti levantou a voz. É não sentir raiva? Porque ela sentiu. É sobre sua cultura himba? Será que ela ainda é himba depois de tudo isso? Como conciliar tudo que ela é e quer ser? Como não deixar de ser ela mesma? Há um futuro para ela em seu lar? Ou agora ela é alguém sem lar? Alguém que não pertence mais a lugar nenhum…

Binti não é aquele tipo de livro focado no que vai acontecer no final, mas sim um livro sobre a jornada da personagem em si, logo eu não acredito que qualquer informação seja um spoiler porque cada um vai vivenciar esse livro de uma maneira muito única, sendo assim, gostaria de comentar sobre alguns pontos que eu mais me envolvi emocionalmente com o livro.

Enquanto estava me adaptando a experiência do livro, eu tive um embate muito grade com as origens culturais da Binti, ela veio de um lugar da onde as pessoas não saem e seu objetivo era substituir o seu pai na criação de astrolábios e sendo a mestra harmonizadora. E para eles foi completamente errado e egoísta a Binti ir embora, querer estudar e querer mais para si. Não só por ter deixado a família para trás, mas por como o povo dela se organiza. Confesso que teve um momento que eu achei que seria impossível para mim continuar lendo.

Seria ela mesma a pessoa egoísta? É tão errado assim a pessoa desejar algo mais para si mesma? Como as pessoas podem pedir tanto dos outros? Claro que eu vivo em uma cultura individualista, é quase que impossível para mim, me ver numa posição em que os outros são maiores do que a minha felicidade. Contudo também acho que a forma como a família a tratou e as coisas que disseram foram direto em um lugar que fere muito, quem é você além de tudo o que te disseram que você é? O que você pode ser além do que as pessoas já decidiram?

Outro momento foi quando a Binti enfrentou seus próprios preconceitos contra um outro povo. Nesse eu gritei de felicidade por estar imersa em uma obra tão incrível. Ao mesmo tempo que ela ouvia e aprendia, ela se chocava contra tudo que ela sempre ouviu e que sempre acreditou ser uma verdade incontestável, mas era uma grande mentira, ela que se achava a criatura tecnológica que estava à anos-luz daquele povo atrasado e selvagem, quando na verdade eles é quem estavam na frente de tudo que ela já tinha visto, mas mesmo assim ela se sentia no direito de se sentir superior, mesmo sabendo que estava errada, que estava sendo apenas preconceituosa. Binti é um potinho de orgulho.

Sim, eu gostei que demorou para ela vencer seus preconceitos, inclusive porque ela precisava aceitar que era parte daquele povo que sempre criticou. Não foi de uma hora para outra e não foi fácil, ela passou por muitas dores para se tornar quem ela estava se tornando. Inclusive ela odiou mudar. Cada mudança da Binti não foi uma escolha dela, cada nova descoberta que ela fazia sobre si mesma a afastava da pessoa fixa que ela sempre quis ser. Foi maravilhoso ver um personagem odiar tanto sua trajetória, odiar sua jornada, se arrepender de suas escolhas e ainda assim seguir em frente, porque é o único lugar para ir afinal.

A resolução de algumas situações dentro do livro podem não agradar a todos, mas pra mim o que ficou pelo caminho era porque não cabia a Binti resolver aquele problema. O livro não é sobre ela se tornando alguma coisa e sim sobre como ela lida com a própria vida dela. Você pode planejar a sua vida o quanto quiser, mas é impossível prever completamente, por tanto o que você faz com as mudanças do seu caminho é o que torna você quem você é agora. E quem você vai ser vai depender de como você vai agir quando chegar a hora.

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Jey Canavezes

90% das resenhas são feitas no hype pós-leitura. Os outros 10% eu não tenho ideia do que eu tô falando.