Ever After High — Onde o fim deveria ser apenas o início…
Como a série de bonecas, desenhos e livros que tinha um imenso potencial para quebrar padrões sociais morreu de forma silenciosa?
Ever After High foi uma franquia de bonecas lançada em julho de 2013 pela Mattel, que conta a história dos filhos de personagens de contos de fadas, histórias de fantasia e lendas antigas, infelizmente toda a franquia criada foi cancelada em 2018.
A Mattel exibia uma animação em seu canal oficial e YouTube, mais tarde em parceria com a Netflix passou a exibir na plataforma e produzir alguns episódios especiais que se encontram no catalogo até hoje. Inclusive assistindo apenas o que está disponível no catalogo da Netflix é possível entender toda a história principal de Ever After High, os capítulos que foram perdidos com o fim do site que disponibilizava oficialmente o conteúdo em português eram apenas extras de personagens secundários cuja principal importância era criar uma empatia do publico com as novas bonecas que seriam lançadas na coleção seguinte.
A história do desenho, assim como a linha de bonecas, era baseada nos filhos dos personagens de contos de fadas. A protagonista é Raven Queen, filha da Rainha Má da Branca de Neve, e juntamente com outras personagens filhos das antigas histórias frequentavam a Ever After High. Na escola eles aprendem sobre suas histórias e tem como objetivo seguirem seus destinos pré-determinados, ou seja, repetir as histórias de seus antepassados. Entretanto, Raven Queen, não tem intenção nenhuma de trilhar o caminho de sua mãe e ser a próxima Rainha Má. E essa decisão mexe com a história de todos os personagens.
Os personagens são divididos em duas categorias, os Royals e os Rebels. Os Royals são formados em sua maioria por filhos das realezas, personagens que de alguma forma tenham uma linhagem real, consequentemente a maioria dos Royals quer seguir os seus destinos pré-determinados pois a maioria deles teve um final feliz. Já os Rebels são aqueles que ou não são da realeza ou são os filhos dos vilões dos contos de fadas, muitos questionam sobre suas futuras histórias, mas somente Raven Queen teve coragem de confrontar o seu destino.
Apesar do desenho ser da Mattel, uma empresa bem tradicional que conhecemos por vender Hotwheels para meninos e Barbie para meninas, ela criou uma franquia extremamente contemporânea e que dialoga com questões sociais e principalmente com o feminismo.
O primeiro grande questionamento de Ever After é sobre destinos pré-determinados, sobre como cada uma das personagens são obrigadas a seguir suas histórias e se tornarem sucessores delas, não podendo alterar o seu destino final. Não só Raven, mas outras personagens passam a questionar seus destinos, Briar Beauty, filha da Bela Adormecida, por exemplo, não quer dormir por 100 anos. É até cruel pensar em obrigar alguém a passar por isso.
Algumas personagens femininas, como Cerise Hood, filha da Chapeuzinho Vermelho, que é uma excelente corredora quer entrar para os times esportivos da escola, mas os meninos sempre repelem dizendo que damas devem ser salvas e não jogadoras, deixando a jovem espumando de raiva.
Outra personagem que sempre bate o pé contra ser uma donzela indefesa é Darling Charming, filha do Príncipe Encantado. Darling quer enfrentar o perigo, lutar contra dragões, defender a si mesma e quem precisar dela. Inclusive de todas as grandes aventuras vividas pelas “princesas”, Darling tem uma cena bastante controversa e causou um certo murmurio no fandom de Ever After.
Apple White, filha da Branca de Neve é envenenada pela Rainha Má, a mãe de Raven Queen, para acorda-la todos esperavam que seu príncipe, Daring Charming, também filho do Príncipe Encantado, a despertasse como estava planejado no destino deles. Infelizmente o jovem não consegue acorda-la e o desespero toma conta de todos, entretanto Darling percebe que Apple não está completamente adormecida, mas… engasgada. E ela consegue “desengasgar” a amiga com uma respiração boca-a-boca.
Mas também é possível ver um brilho magico no fundo e que nos fez pensar que na verdade a Darling é a princesa do destino da Apple White, mesmo isso não se confirmando canonicamente e a personagem sumindo nas histórias seguintes. Claro que toda a nossa base é puramente idealização de fãs mais velhas, as crianças nem reparam nisso e viram apenas o que a cena mostra.
Um ponto muito interessante de Ever After High, é que existem varios principes e meninos em Ever After, mas eles NUNCA salvam o dia. Todo o trabalho de resolver as confusões e salvar Ever After fica por conta das personagens femininas, enquanto nossos princesos ficam sendo os donzelos que eles nasceram para ser. Sentiu a critica?
O desfecho das histórias de Ever After High foi um reflexo da sua queda no mercado de vendas de brinquedos. Como uma série em constante desenvolvimento de criticas comportamentais de meninos e meninas a última temporada deixou a desejar, mesmo introduzindo novas personagens, criando uma musica que refletisse melhor a bravura e liberdade de nossas personagens, todo o enredo foi decepção.
Foi muito triste ver uma série com tamanho potencial se perdendo no silencio da falência. Ever After tinha tudo para agradar o publico adulto e delicadeza para lidar com a inocência das crianças, todo o processo de evolução dos personagens é feito gradativamente e forma lúdica e simples, é tão fácil amar cada um deles, infelizmente não é só de uma boa animação que a franquia precisava e a Mattel não foi capaz de valorizar a individualidade e originalidade de sua franquia.
Como tudo ruiu?
A primeira vez que eu vi as bonecas de Ever After High eu achei que tinha ligação com a série Once Upon a Time, que também trabalha com contos de fadas, outros nem deram muita atenção em geral mesmo percebendo a qualidade da boneca que estava em suas mãos. Isso é uma coisa que não se pode negar, Ever After veio com uma qualidade diferenciada, ela podia não ter o rosto mais bonito, porém tinha personalidade. As bonecas vinham em posições diferentes, com roupas muito bem trabalhadas, todas articuladas e até as caixas pareciam livros de contos de fadas. Empenho por parte da empresa teve!
O que não teve foi publicidade. A restrição da série a internet, sendo a Netflix seu ponto de maior alcance, a Mattel esqueceu de que para vender um brinquedo é preciso que a criança entenda e queira o brinquedo. Suponho que a Mattel tenha achado que a relação entre as bonecas de Ever After e Monster High seria o suficiente para garantir sua venda. Mas passou muito longe de ser. A Barbie está a tanto tempo no mercado que ela só precisa existir para continuar vendendo, mas uma boneca nova precisa de publicidade.
Aqui no Brasil as bonecas começaram a ser reconhecidas em meado de 2014 quando a série começou a ser exibida pelo programa Sábado Animado e depois no Bom dia e Companhia no SBT. A série também ganhou espaço nos comerciais da Nickelodeon. Junto com essa divulgação vieram os comerciais na TV para ajudar a venda das bonecas.
Entretanto o mesmo não aconteceu no mundo todo. Na Espanha, por exemplo, a série ficou restrita a internet e a Netflix, que em geral não é/era tão popular no país quanto precisava para garantir as vendas. Ever After High foi, comercialmente um fracasso, tanto que nem no gráfico de vendas da Mattel ela aparece individualmente sendo contabilizada junto com “outros brinquedos para meninas”, já Monster High e Barbie tem seus próprios destaques.
E por falar na dona da casa de três andares com elevador, o maior pecado da Mattel é não querer aceitar que a Barbie vai morrer e ela não vai poder fazer nada para impedir. Sempre que a boneca sofre um queda ela joga todos os seus projetos para cima e se lança de cabeça a produzir coisas novas para ela. Esquecendo que o que faz um brinquedo vender é a sua originalidade, o seu diferencial. O que tornou Monster High tão popular foi ela ser diferente, eram Fashion Dolls de monstros famosos, articuladas, com uma estrutura diferente das bonecas que já tinham no mercado. Atraindo colecionadores de bonecas e crianças.
Não podemos esquecer que venda de brinquedos não é só arte, mas também negócios, a Mattel já vinha sofrendo quedas e em 2015 demitiu seu presidente e diretor executivo, Bryan Stockton, e em 2016 perdeu o contrato com a Disney para a produção das bonecas das princesas. Apesar da Barbie fazer mais de 1 bilhão por ano, perder um contrato de 700 milhões não é nada agradável. Como eu disse antes, quando a coroa da Barbie está ameaçada a Mattel volta as origens tradicionais e tenta reinvestir no seguro. Nesse ponto ate as Monsters ganharam suas versões barbiezadas, como aquelas versões de busto para pentear ou modelos super básicos e para chegar a um publico mais jovem. Acho que a Barbie vai ter que começar a vender suas propriedades para pagar os boletos no fim do mês.
Ever After High tinha muito potencial, tanto na série, quanto as bonecas e até os livros que lançou, não foi falta de experiencia da Mattel ou de interesse do publico, inclusive o publico mais adulto gostou mais do conteúdo da animação do que as crianças, porque as personagens representavam personagens que foram referencia a nossa vida inteira, agindo como nós agimos hoje! Crescendo e evoluindo a cada temporada, o sucesso tava garantido.
Acima da decepção o fim dessa franquia e toda essa crise da Mattel nos faz pensar quanto tempo a boneca tradicional vai continuar existindo? Quanto tempo elas tem até serem completamente substituídas pelos jogos eletrônicos? Há realmente uma forma de atualizar as bonecas para que elas acompanhem os avanços tecnológicos? Ou o fim será apenas o inicio?
* Você pode ver o artigo completo sobre a queda da Mattel com o fim do contrato da Disney aqui *